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Postal de Arranhó Nº 006: “O que nos poderá dizer a lápide tumular”

Em 1985 escrevemos na FPA [1] um artigo a que demos o título: “A nossa história começa na igreja?”

Hoje, já sabemos muito mais sobre a ocupação humana no território de Arranhó, mas nos anos 80 só eramos levados a refletir a propósito do que estava a acontecer então, uma grande intervenção de reabilitação que se realizou no edifício da igreja paroquial e seu anexo, onde, entre muitas outras obras de recuperação do seu interior, foi levantado todo o pavimento da nave da igreja e retiradas as sepulturas que ainda lá se encontravam para colocar um novo soalho em madeira, que havia de ser mais tarde removido e substituído por mosaico nas grandes obras de renovação de 2016.

Não acompanhamos de perto os trabalhos arqueológicos então realizados, patrocinados pelo Patriarcado de Lisboa, nem ainda conseguimos aceder ao respetivo relatório de campanha, mas curiosos destes assuntos, ao fim de semana gostávamos de visitar as obras, e acabamos num dia por encontrar no meio dos entulhos que se encontravam no antigo anexo adossado à igreja, três fragmentos do que nos pareceu ser uma lápide tumular, os quais fotografei e desenhei para memória futura.

O que podemos entretanto avançar é que o meu amigo António Manuel Vale Pinto tinha apresentado em 2018 uma hipótese de leitura da pedra tumular. Em 2024, na sequência dos seus estudos de epigrafia, tem uma nova versão de leitura da inscrição: «Será errado interpretar a abreviatura epigráfica como “FREI”, mas sim como FERNANDO ou FERNANDES. Assim, teremos: SEPULTURA DE CUSTO / DIO FERNANDO [ou FERNANDEZ DO] / [?] EIRO.»

Infelizmente, antes que as pudesse salvar, as pedras acabaram misturadas com outro entulho de obra e depositadas no aterro que por aquele tempo se estava a preparar para vir a instalar a bancada e o palco da festa de Nossa Senhora de Ajuda.

Apesar do contratempo, continuamos a ouvir pessoas, a ler, e a juntar informações, razão porque no citado artigo [2] dávamos conta que «entre as recordações de alguns conterrâneos nascidos no primeiro quartel do século, encontra-se “a existência de caixões de pedra como se fossem duas salgadeiras grandes, tapadas com outra pedra” [3] que se encontravam junto à parede exterior da igreja. “Dizia-se que eram os túmulos de dois padres, pois no seu interior estavam dois esqueletos”.» [2]

É difícil saber se seriam mesmo “padres” ou estariam relacionados com alguns eremitas que ali tenham vivido, a imaginação popular é simples e fértil. Por isso mesmo nós próprios no citado artigo escrevíamos «Há quem fale da existência, ainda no princípio deste século, de ruínas junto ao edifício da igreja e anexo. Seriam restos dum suposto mosteiro que segundo certas tradições teria havido naquele lugar? Quem o habitava e desde quando?».[2]

Para lá das fantasias da tradição oral, temos vindo a fortalecer a nossa intuição de que o local onde se encontra a atual igreja paroquial tem sido um espaço de culto usado pela população do lugarejo de Arranhol [4] desde tempos muito remotos.

A própria existência dum pequeno templo cristão na aldeia de Arranhol tem forte probabilidade de remontar a tempos anteriores à conquista da cidade de Lisboa por D. Afonso Henriques, se levarmos em linha de conta que esta região da Península Ibérica esteve ocupada de forma consistente pelos reinos dos povos suevos e alanos, ambos cristianizados no século V.
A nós parece-nos provável que depois de 1147 o lugarejo de Arranhol integrado no Termo de Lisboa e com rendas à Ordem Agostiniana, tenha beneficiado do acompanhamento espiritual dalgum ou alguns eremitas desta ordem.

O edifício atual deve ter recebido ao longo do tempo muitas transformações, mas a sua dimensão poderá remontar ao início da II dinastia uma vez que dessa altura já foram encontrados documentos a confirmar a existência da paróquia de Arranhó no Termo de Lisboa.[5] Pensamos que a importância do edifício é justificada por anos mais tarde ali ter sido registado num testamento através duma lápide na parede da igreja sobre uma “capela” duma benfeitora, Catarina Annes, no ano de 1504.

Uma leitura precipitada datou a igreja deste ano, mas ela é de facto muito mais antiga.

Todas estas conjeturas continuam a precisar de estudo e aprofundamento científico das fontes documentais existentes e também de trabalhos arqueológicos de suporte.

Notas:
[1] A FPA – Folha Popular de Arranhó foi um jornal policopiado de divulgação local criado em 1974.
[2] LUIZ, José Manuel Ferreira | Folha Popular de Arranhó | II série, ano 2, número 7 | Setembro de 1985.
[3] referido por LOURENÇO, Carlos Alberto Alves | Monografia da Freguesia de Arranhó| manuscrito dactilografado | 1976.
[4] Arranhol, Aranhó, Aranhol, Ranhoo, são os nomes porque nos aparece descrita em documentos medievais conhecidos até ao momento.
[5] o nosso amigo António Manuel do Vale Pinto encontrou nas suas pacientes investigações bibliográficas um documento de 1410

#HistóriaLocal

© DIREITOS RESERVADOS, Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz

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