Fernando Luís Barreiros dos Reis (1950-1974)
Uma conversa simpática com o meu primo Jorge Raimundo no largo da igreja, e a proximidade das celebrações do 25 de Abril em 2020, fizeram-me pensar que seria de toda a justiça recordar este conterrâneo injustamente esquecido na sua freguesia e no seu concelho.
O Fernando Luís Barreiros dos Reis, era filho do nosso conhecido Luis Raimundo dos Reis [1] e de Alice Barreiros dos Reis, tendo nascido a 16 de Novembro de 1950 em Arranhó, Arruda dos Vinhos.
O motivo desta evocação particular é o Fernando ter sido uma das cinco vítimas dos disparos de elementos da polícia política PIDE/DGS sobre a multidão de manifestantes que se tinham concentrado junto na sua sede localizada na Rua António Maria Cardoso nº 20, no Chiado em Lisboa. [2]
Não são conhecidos ativismos políticos por parte do Fernando, mas, talvez apenas por curiosidade, juntou-se à multidão que gritando “Assa-ssi-nos! Assa-ssi-nos!” avançou no assalto à PIDE.
Habitualmente fala-se de uma revolução dos cravos sem sangue, mas não foi exatamente assim. O nosso Fernando Reis, com 23 anos e pai de dois filhos, estava no meio daquela multidão e foi atingido mortalmente pelas balas da DGS no próprio dia 25 de Abril de 1974, tendo falecido, ao que tudo indica, no Hospital Militar da Estrela.
Pouco sei sobre a sua vida, além de que com 11 anos entrou para a Casa Pia, onde estudou até 1967, e que gostava muito de vir a Arranhó visitar a sua avó paterna a Maria Raimundo, viúva do António dos Reis. A foto que encontrei mostra um jovem irreverente na idade da tropa, com a boina à banda. Mas o que queria realçar era que, vivendo na capital, sempre procurou manter uma ligação à sua terra e às suas origens.
À data da sua morte, era soldado da 1a Companhia Disciplinar de Penamacor, unidade historicamente utilizada pelo Estado Novo para punir militares e elementos da oposição acusados de indisciplina. À tardinha do dia 25 de Abril de 1974 estaria de licença em Lisboa, sua morada, quando o golpe militar eclodiu, sendo um entre os milhares que acompanham nas ruas de Lisboa os principais acontecimentos. Nessa manhã uma multidão exacerbada com gritos “Morte à pide!”, dirigiu-se à sede da PIDE/DGS e além dos gritos descambou para atos de vandalismo com pedradas nos vidros do edifício e virar os carros oficiais. Naqueles dias era assim, e a multidão atingiu o delírio pretendendo invadir o edifício; nesse momento de descontrolo da situação os agentes da DGS dispararam a partir das janelas do edifício sobre a multidão ululante e deu-se a tragédia.
O pai do Fernando, o Luis Raimundo dos Reis , ainda procurou recorrer ao primeiro ministro de então Mário Soares para que fosse dada algum tipo de indemnização ou pensão à viúva, mas sem sucesso. A revolução e as novas autoridades esqueceram-no. O seu nome é atualmente evocado no Museu do Aljube e nalguns livros [3], que entretanto procuraram resgatar do esquecimento os mortos do dia 25 de Abril de 1974.
Em 2020 lamentávamos o atraso na reposição da justiça e o reconhecimento, em 2024 aproveitando as comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril a autarquia vai incluir o seu nome na toponímia arranhoense.
Notas:
[1] Luis Raimundo dos Reis, sapateiro, músico na Orquestra Os Bem Entendidos de Arranhó. O Luis era filho primogénito do casal de patriarcas duma conhecida família arranhoense, o António dos Reis, de Alcobela, que casou com a Maria Raimundo e fizeram sua morada numa courela atrás da antiga Junta de Freguesia.
[2] Esquecidos de Abril – Os mortos da revolução sem sangue, de Fábio Monteiro, Livros Horizonte, 2019
[3] Morte à Pide! A queda da polícia política do Estado Novo, de António Araújo, Tinta da China, 2019.
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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz