Redescobrindo Arranhó nos escritos de Irene Lisboa (1892-1958)
«Já não me podias chamar como tu costumavas: minha rolinha, minha cara linda.
Coisas que se dizem! Eu nunca fui bonita, mas tu gostavas de mim… Eu sei lá se gostavas?
Quando eu te via vir ao longe, a serra até tremia. Os calhaus fugiam-me à frente dos pés com as minhas corridas, rebolavam que era uma graça, e as silvas nem me tocavam. Se era tarde, eu nem dava pelo Sol se pôr. Eras tu que me alumiavas. Tu andavas depressa, mas eu ainda achava que era devagar. Aparecias aqui, sumias-te ali, e de repente dávamos cara com cara.
Tu tão alto, eu tão baixinha! às vezes ficávamos só a olhar um pelo outro. E eu virava a cara. As mulheres sentem tanto, tanto! Quando elas viram a cara é quando têm mais que dizer.»
Irene Lisboa, no seu livro diarístico “Solidão”, de 1939.
Comentários:
[1] A autora faz neste trecho um tocante exercício de memória sobre o seu pai, Luís Emílio Vieira Lisboa, advogado e proprietário rural, e nele alude à serra, que será certamente a Serra do Ulmeiro, ou do “Ourimêro” na linguagem popular.
[2] podem encontrar-se mais pormenores e informação interessante sobre Irene Lisboa na página https://sibilante.blogs.sapo.pt/
E assim se vai fazendo história na divulgação desta filha da terra…
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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz