QUASE MEMÓRIAS – parte 2
Foi a minha prima Quinita [1] quem me deu a conhecer nos finais de 1974, alguns romances na sua biblioteca duma escritora nascida em Arranhó, na Quinta da Murzinheira, de seu nome Irene do Céu Vieira Lisboa.
Eu na altura nunca tinha ouvido falar da autora, e fiquei desde logo muito curioso em aprofundar o assunto.
Comecei a procurar, e sempre que ia a Arranhó procurava conversar e saber mais sobre a tal Irene Lisboa; e foi assim que vim a saber pormenores curiosos, como por exemplo que esta reservada conterrânea chegou a acompanhar o pai, o conhecido Dr. Vieira Lisboa, em visita a casa dos meus bisavós paternos José da Silva Raimundo e Maria da Piedade Serralheiro, em Arranhó.
Muitos não saberão, mas este conceituado casal de patriarcas, origem de vasta prole arranhoense, eram agricultores e comerciantes abastados e daí esta visita social.
Não me foi fácil aceder na época à obra de Irene Lisboa, pois ela encontrava-se esgotada nas livrarias; e, por essa razão, tive que percorrer o circuito das notáveis lojas de alfarrabistas do Bairro Alto, em Lisboa, designadamente no Largo Trindade Coelho, na Rua da Misericórdia, etc. à procura de livros raros de Irene Lisboa. Foi uma tarefa de muita paciência e persistência, que me permitiu momentos de alegria ao encontrar um livro aqui um livro ali, e assim “resgatar” a memória da obra desta ilustre conterrânea.
Enquanto ia desbravando, a pouco e pouco, pormenores biográficos de Irene Lisboa também fui lendo livros seus, o que me permitiu ir conhecendo esta mulher austera e reservada, inteligente e sensível.
Despertaram-me no início particular atenção, dois livros: “Voltar Atrás para Quê?”, de 1954, onde a autora dá a entender a sua mágoa pelas memórias das suas origens e do desencanto da sua infância rural, e, “Apontamentos”, de 1943.
Este último livro foi-me apresentado pela minha prima Nelinha [2] que, ao saber do meu interesse por Irene Lisboa, me chamou a atenção para inúmeros pormenores literários e autobiográficos do livro, assim como para as suas saborosas descrições das paisagens e das pessoas que a autora bem conheceu e nós podemos conferir. Fiquei absolutamente fascinado com a sua narrativa duma sua ida às festas de Nossa Senhora de Ajuda! Notável!
Entretanto, fui conhecendo a pouco e pouco os pseudónimos masculinos a que a autora recorreu para contornar os preconceitos sociais próprios da sua época, as dificuldades resultantes de ser uma mulher culta e independente numa sociedade muito “masculina”, assim como a sua produção literária e pedagógica.
Dentro das atividades de divulgação cultural sobre Irene Lisboa que fui realizando ao longo do tempo em Arranhó, recordo precisamente a organização de duas Exposições no início dos anos 80, ambas durante a realização das Festas em honra do mártir São Lourenço. A primeira Exposição foi feita e montada por nós no átrio superior do edifício do URDA, onde apresentamos ao público painéis com notas biográficas sobre a vida e obra de Irene Lisboa, e, um expositor com preciosos livros raros da autora, que eu tinha entretanto já adquirido.
Como mereceu assinalável curiosidade e interesse por parte da população, viemos a realizar uma segunda Exposição biográfica-bibliográfica no salão do URDA em 1985, com mais informação e mais livros, então inaugurada pelo presidente da Junta, o saudoso Francisco Faria Gerónimo, e, o presidente da Câmara e grande amigo de Arranhó, Mário Henrique Ferreira Carvalho.
O painel sobre Irene Lisboa foi mesmo convidado a fazer parte da exposição no pavilhão da Câmara nas festas em honra de Nossa Senhora da Salvação desse ano. [3]
Ambas as iniciativas foram um sucesso junto da população e de divulgação da vida e da obra de Irene Lisboa.
E assim se foi fazendo história na divulgação desta filha da terra…
Notas:
[1] Maria Joaquina Machado Raimundo, professora do ensino secundário.
[2] Maria Manuela da Piedade Lourenço Marques da Silva, professora do ensino secundário.
[3] In Folha Popular de Arranhó, ano 2, número 7, de Setembro de 1985
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