Durante séculos a população de Arranhol era sepultada na sua igreja paroquial, como acontecia em todo o nosso País.
Esta situação só se alterou no século XIX por influência duma pequena elite intelectual lisboeta mais evoluída e conhecedora das iniciativas higienistas em França.
Assim, em 21 de Setembro de 1835, no Diário do Governo, por iniciativa do Governo de Rodrigo da Fonseca de Magalhães, e assinado pela Rainha D. Maria I , foi publicado o Decreto que estabelecia a obrigatoriedade de criação dos cemitérios civis para enterramento dos mortos.
Na época, a contestação por parte da população foi intensa, porque os governantes desprezaram a via do diálogo e esclarecimento, e preferiram a do confronto com a Igreja Católica e as crenças dos fiéis. Foi uma implementação desastrosa, porque assente na imposição.
Hoje, esta questão higiénica e de saúde pública, é para nós uma questão pacífica, e até sabemos que os decretos [1] estavam bem feitos, razão porque a legislação sobre cemitérios só viria a ser atualizada muito mais tarde, com o decreto N° 44220, de 3 de Março de 1962. Mas, na altura, o método ofendeu muito a população maioritariamente católica, e gerou várias revoltas populares.
Não temos muitas notícias do que terá ocorrido no lugar de Arranhol, apena um relato de que “o Manuel Rodrigues Filho, nascido por volta de 1870, chegou muitas vezes a dizer, para quem nessa altura podia ouvir, que ainda era do seu tempo os enterros dentro da igreja.” [2]
A falta de estudos arqueológicos, ainda não nos permitem confirmar se não foi utilizado para o efeito o espaço do atual adro da igreja. Mas é natural que assim tivesse ocorrido.
O cemitério murado de acordo com as novas leis foi localizado no lado lateral poente da igreja, e, pelo que sabemos, “a primeira vez que foi acrescentado, e de que há memória, foi em 1906 e para o lado do adro”. [3]
A implantação da República também teve implicações com o cemitério: “Se muitas aldeias de Portugal se não aperceberam da grande alteração política que se operou em 1910, não foi o caso de Arranhó. Alguns de cá, das Alcobelas e das Camondes, ativaram a perseguição a tudo o que era clerical e monárquico, ao ponto de passar a haver no cemitério, duas portas, uma por onde entravam os monárquicos (a do adro), a outra aberta no muro do lado poente, por onde entravam os republicanos, para evitarem as misturas e ter de passar pela frente da igreja.” [4]
O nosso cemitério conheceu uma fase de algum abandono, porque não havia o hábito de ir ao cemitério, porque as pessoas tinham medo. Como consequência “chegava a ter erva mais alta que um homem, e só em Abril ou Maio, de cada ano era cortada”. [5] E foi assim até aos anos 40.
Ao longo do tempo os hábitos foram mudando, e introduzidos melhoramentos, como sinalizava uma pequena placa, entre os dois grandes paredões de travamento das paredes da igreja: “Ossários construídos em 1960 pela Junta de Freguesia.”
Também através da existência de placas, está preservada a memória de melhoramentos mais recentes, ao estilo de cada época.
Uma diz: “Alargamento e reparação deste cemitério com auxílio de subscrição pública da freguesia e donativo do exmo Governador Civil. A Junta de Freguesia em 31-12-1951”.
A outra placa informa: “Ampliação deste cemitério construção 2° grupo de gavetões. Junta de F. De Arranhó Novembro 1985”.
Hoje, o cemitério está bastante bem cuidado e conservado, está a cargo da Junta de Freguesia, proporcionando boas condições de acesso e visita de qualquer pessoa. O último melhoramento relevante foi o recondicionamento do espaço de gavetões entre os contrafortes e a instalação de uma cobertura para permitir a celebração da despedida do corpo com dignidade e proteção das intempéries.
Notas:
[1] Mais tarde, em 1846, saíram ainda as Leis de Higiene do governo de Costa Cabral de 18 de Setembro de 1844, e, de 26 de Novembro de 1845.
[2] Retirado de: Lourenço, Carlos Alberto Alves, manuscrito dactilografado, Monografia da Freguesia de Arranhó, 1976.
[3] idem anterior.
[4] idem anterior.
[5] idem anterior.
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