Só depois da instauração da Democracia em 1974 é que ouvimos falar dum caso invulgar ocorrido numa madrugada do já distante Verão de 1945, no troço da estrada de Bucelas, entre Vila Nova e a Bemposta.
Sucede que no mês de Julho de 1945, Arranhó foi visitada por elementos da temível polícia política do regime, a PIDE, [1] a fazerem perguntas às pessoas e a procurar informações ou alguém que conhecesse um sujeito que teria tido um acidente próximo de Bucelas.
Na verdade, o tal sujeito era afinal um militante político clandestino da oposição ao regime autoritário do Estado Novo, chamado Alfredo Diniz. [2] Era um quadro do então ilegalizado Partido Comunista Português.
Na pacífica aldeia de Arranhó aquela visita da PIDE foi um caso, embora as pessoas tivessem medo de falar do assunto porque na altura não se vivia em Liberdade, cochichava-se que o tal sujeito teria passado pela casa do Carlos Cebola, talvez porque se conhecia o perfil oposicionista do Carlos Cebola, e também se falasse que ele ouviria as emissões clandestinas da Rádio Moscovo. Outros falavam que o sujeito viria dos lados do Sobral. Na verdade, porque se tratavam de atividades clandestinas, não se pode confirmar mais que, embora abafado, o caso foi falado durante algum tempo na aldeia de Arranhó.
Nos dias de hoje, poucos darão conta do memorial que existe na beira da estrada nacional, e o assunto não parece merecer particular atenção, mas mesmo assim vale a pena recordá-lo uma vez que os arranhoenses na altura viram-se envolvidos nas averiguações e suspeições da polícia política e a situação deve ter sido bastante desconfortável para toda a gente.
Recordamos pois o perfil do tal militante político clandestino, um jovem de 28 anos de idade:
«Alfredo Diniz, filho de João Lobato Diniz e Carolina de Assunção Diniz, nasceu em Lisboa em 1917. Na infância vendeu, com o pai, flores de papel na rua. . Operário metalúrgico, ingressou, ainda adolescente, nos Estaleiros Navais da Parry & Son, onde, depois de terminar o curso noturno de desenhador, desempenhou funções de traçador naval.
Aos 19 anos, estava já envolvido nas lutas laborais e aderiu à Federação das Juventudes Comunistas, tendo-se tornado membro do Partido Comunista Português (PCP) e assumido tarefas no Socorro Vermelho Internacional. Em agosto de 1938, foi preso pela polícia por «atividade revolucionária» e condenado a dezoito meses de prisão, cumpridos nas prisões de Caxias e de Peniche. Após a sua libertação, esteve na reorganização do PCP em 1940-1941 e foi responsável pela célula da Parry & Son e pelo Comité Local do partido, em Almada.
Participou ativamente nas greves, manifestações e marchas da fome da primeira metade da década de 1940. Foi no decorrer de muitas destas lutas que se distinguiu pela capacidade de organização e dinamização. Foi um dos impulsionadores do movimento grevista de Outubro e Novembro na região de Lisboa em 1942. Já como membro do Comité Regional de Lisboa, voltou a ter papel muito ativo nas greves de Julho e Agosto de 1943 na região de Lisboa, margem sul do Tejo e Ribatejo, na sequência das quais passou à clandestinidade, usando o pseudónimo «Alex».
Ainda em 1943, foi eleito para o Comité Central do PCP, passando a fazer parte do Bureau Político. Fez parte do Comité Organizador das greves de 8 e 9 de Maio de 1944, que incidiram particularmente no corredor industrial da margem norte do Tejo e Ribatejo. Em 1945, pouco antes de ser assassinado, foi eleito para a Comissão Política e estaria envolvido na organização das manifestações de celebração do fim da II Guerra Mundial.
Viria a ser assassinado pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado com apenas 28 anos, a 4 de julho de 1945, numa estrada em Bucelas, quando se dirigia para um encontro clandestino. A bicicleta em que seguia terá sido abalroada por uma carrinha e, já no chão, Alfredo Diniz foi alvejado a tiro, sendo depois novamente baleado no interior da referida carrinha e, já morto, deixado na beira da estrada.» [3]
Este caso é localmente significativo porque cruza a vida na aldeia de Arranhó com a contemporaneidade do País, num tempo de falta de Liberdade. Ocorreu na estrada nacional, à saída de Vila Nova, antes de chegar à Bemposta, e ainda lá está um memorial na berma do lado direito, colocado já depois de 1974.
Notas Diversas:
[1] A Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) foi a polícia política portuguesa entre 1945 e 1969, responsável pela repressão de todas as formas de oposição ao regime político do Estado Novo. Em 1969 Marcello Caetano foi dissolvida e substituída pela DGS (Direção-Geral de Segurança) que manteve as mesmas funções da antiga PIDE.
[2] PIDE, Serviços Centrais, Registo Geral de Presos, liv. 54, registo n.º 10615 PT/TT/PIDE/E/010/54/10615. Arquivo Nacional Torre do Tombo.
[3] perfil de Alfredo Assunção Diniz publicado pelo Museu do Aljube Resistência e Liberdade, 4 de Julho de 2023.
[4] imagem da ficha na PIDE de Alfredo Assunção Diniz,
Serviços Centrais, Registo Geral de Presos, liv. 54, registo n.º 10615 PT/TT/PIDE/E/010/54/10615. Arquivo Nacional Torre do Tombo.
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