Em 1763, o Padre João Bautista de Castro registou [1] haver em Arranhó 30 fogos sujeitos ao Corregedor da Mouraria, apresentando ao Prior de São Cristóvão de Lisboa uma côngrua [2] de um moio [3] de trigo, trinta alqueires [4] de cevada, uma pipa [5] de vinho e 4’500 reis em dinheiro [6]. Esta descrição permite adivinhar que a Arranhó oitocentista era um pequeno lugar rural, retirado, que vivia ao ritmo das estações do ano.
Mas o ritmo tranquilo da aldeia veio a ser abalado pela necessidade do País de realizar importantes e secretas obras militares nas suas proximidades.
Como é sabido, Portugal esteve envolvido na designada Guerra Peninsular, e, por consequência, sofreu entre 1807 e 1813 várias investidas dos exércitos napoleónicos ao nosso território.
Em 1807 um exército comandado pelo general Junot entrou pela Beira Baixa e chegou a Lisboa; em 1809 outro exército comandado pelo general Soult entrou pelo norte e chegou ao Porto.
Então, face à destruição, miséria, e perda de soberania, resultantes daquelas incursões francesas, foi decidido realizar importantes obras militares a norte da capital, para criar linhas de defesa face aos poderosos invasores.
Esta decisão acabou tendo forte impacto no pacato lugar de Arranhó que veio a conhecer entre 1809 e 1814 um inusitado movimento, derivado ao volume de obras de construção civil nas suas redondezas, em diversos fortes e estradas militares de ligação, integradas no planeado sistema defensivo das chamadas “Linhas de Torres”, e também pelo numeroso efectivo de tropas anglo-portuguesas que se vieram instalar naqueles redutos.
Foi necessária muita mão de obra directa local em todas aquelas obras, e, associado a isso, também foi necessário providenciar o abastecimento da alimentação,o tratamento da roupa, etc. para toda aquela gente envolvida, quer militares quer civis.
Nessa época, Arranhó deve ter vivido uma forte actividade, devido aos muitos militares portugueses e ingleses que vieram para a construção e depois na ocupação dos fortes de primeira linha na Serra do Ulmeiro e na Carvalha, e nos redutos de segunda linha na Serra de Alrote.
A localização de Arranhó precisamente na confluência de duas estradas estratégicas que davam acesso à capital, uma vinda de Torres Vedras por Sobral de Monte Agraço, a outra vinda de Vila Franca de Xira por Arruda dos Vinhos, que se juntavam na Quinta do Paço em direcção a Bucelas, colocou a população arranhoense no meio de toda aquela agitação.
Os primeiros trabalhos desenvolveram-se na Serra de Alrote, com a construção de dois redutos ( Ajuda Grande Nº18, e Ajuda Pequena Nº19), mesmo fronteiros aos lugares da Quinta do Paço e de Ajuda.
Mais tarde, foi decidido construir uma primeira linha de defesa localizada mais a norte de Arranhó, o que veio acrescentar a necessidade de redobrados trabalhos na construção de mais dois fortes na Serra da Carvalha (Carvalha Nº10 e do Cego Nº9), e mais quatro fortes na Serra do Ulmeiro (Montagrasso/Alqueidão Nº 14, o Forte do Machado Nº 15, o Forte do Simplício Nº 17, e, o Forte Novo Nº152.
Na nossa região, foi mobilizada muita mão de obra local, carroças e animais de tracção, para os indispensáveis e extensos trabalhos de corte de àrvores, desmatação, movimentação de terras e de pedra em torno de todas aquelas grandes obras militares (redutos, fortes, estradas militares, etc.).
Quando em 1810 um novo exército napoleónico, comandado pelo General Massena, entra em Portugal e se dirige à capital, é travado pelas imponentes Linhas de defesa, que embora ainda inacabadas, permitiram impedir o avanço francês. Após escaramuças no Sobral, Massena pôde confirmar que as linhas eram inexpugnáveis e decidiu retirar.
As obras continuaram na nossa região e por todo o sistema das Linhas de Torres Vedras, uma vez que o perigo de nova agressão era real, e de resto em 1812, outro exército, comandado pelo general Marmont, entrou em Portugal e atacou o Sabugal.
Naturalmente do impacto de todo aquele movimento de obras, e do contacto com gente vinda de outras regiões e países, Arranhó beneficiou, cresceu, como atestam os dados conhecidos. Assim, em 1853, Pedro Marques [7] apresenta Arranhó como tendo 208 fogos e uma côngrua anual de 150’000 reis.
E em 1876 Arranhó tinha 1026 habitantes. Embora retirada, a aldeia conheceu pois uma nova vida e readquiriu o seu ritmo das estações do ano.
Notas:
[1] Castro,João Baptista de || Mappa de Portugal antigo e moderno, Lisboa : Off de Francisco Luiz Ameno,1762-1763.
[2] côngrua era o nome dado ao contributo duma paróquia para o sustento do seu pároco. Na atualidade dá-se o nome de contributo paroquial.
[3] moio de trigo era uma medida de capacidade do antigo sistema, equivalente a 60 alqueires ou 828 litros.
[4] alqueire era uma antiga medida agrária equivalente a 13 litros ou 14 kilogramas.
[5] o real (no plural: reais ou réis) foi a unidade de moeda em Portugal entre 1430 e 1911. Como referência da taxa eram 1000 réis = 1 escudo.
[6] pipa de vinho era uma unidade de capacidade para líquidos equivalentea 550 litros.
[7] Marques, Pedro José || Diccionario geographico abbreviado das oito provincias dos reinos de Portugal e Algarves, Porto, 1853.
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