Redescobrindo Arranhó nos escritos de Irene Lisboa (1892-1958)
«A Senhora já deve estar a caminho, aviarem-se, aviarem-se! diziam as mulheres umas para as outras na descida.
O sol ainda não incomodava muito, mas sempre mordia nas cabeças descobertas. Os cabelos azeitados, já luziam.
Atrás de outros, e outros atrás de nós, lá chegamos a Arranhó.
Arranhó é cabeça de freguesia e parece uma terra próspera, com muitas janelas de vidros e algumas casas modernas na estrada de Lisboa. Mas a sua igreja denuncia o viver do povo… não é propriedade de forasteiros, nem se aluga! Nua e vazia, com as altas frestas cheias de teias de aranha, não parece ser muito mimosa do culto. O povo é pagão, ou pobre. Sobretudo pobre. Mata-se a tirar alguma coisa daquela terra seca. Faz as suas promessas à Santa quando se vê em apertos, e por aí fica.
Na igreja rompi entre multidão e fui admirar a Senhora no seu andor. »
Irene Lisboa, no seu livro diáristico “Apontamentos”, de 1943.
Comentários:
[1] É muito rica esta descrição que a autora nos faz duma sua ida à festa de Ajuda; em primeiro lugar, do ar progressivo da aldeia de Arranhó nos anos 30/40, e em segundo lugar, das consequências do histórico anticlericalismo republicano no enfraquecimento dos hábitos religiosos da população e no cuidado com a sua igreja paroquial.
[2] podem encontrar-se mais pormenores e informação interessante sobre Irene Lisboa na página https://sibilante.blogs.sapo.pt/
E assim se vai fazendo história na divulgação desta filha da terra…
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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz