Neste pequeno ensaio procuramos olhar as casas arranhoense e a sua relação com o modo de vida arranhoense. É uma pequena aproximação ao tema, que julgamos pioneira e a precisar de estudo mais aprofundado. O que parece certo e que tanto quanto é possível resgatar da memória, na aldeia de Arranhó a vida sempre foi dura e algo retirada, predominando a ruralidade, e onde conviveram em harmonia modos de vida de pobreza e modos de vida remediados.
1. Até ao séc. XIX, a maioria da população eram jornaleiros (na vinha, olival, searas, hortas); alguns feitores e abegões, alguns almocreves (ovos, fruta, legumes, ferro-velho), e, alguns mesteirais (moleiro, ferreiro, ferrador, sapateiros). Na divisão social do trabalho cabia aos homens o sustento da casa, e às mulheres a gestão da vida doméstica incluindo a educação dos filhos.
As habitações refletiram durante décadas estes modos de vida muito rústicos e uma estrutura social de forte dimensão comunitária e familiar.
As casas mais antigas eram muito rudimentares, pequenos tugúrios térreos, construídos com pedra local ligada com argamassa de terra, com uma cobertura simples de telha canudo duma só água e sem forro. O seu interior apresentava o chão em terra batida, e por vezes a zona de dormir era protegida por uma cortina de serapilheira ou tecido grosseiro.
Estas casas não tinham janelas nem chaminés, apresentando uma só entrada, nalguns casos protegida com uma cortina, e, mais tarde, com uma porta de madeira com um pequeno postigo. A funcionalidade básica da casa era abrigar os seus moradores do mau tempo, e para dormir.
Com a fixação de novas famílias, com prole numerosa, a dimensão das habitações cresceu ajustando-se a esse facto, mantendo as características rudimentares atrás referidas. Não havia grande preocupação com o ordenamento. Os núcleos originais parecem ter sido o Rossio da Fonte, depois o Outeiro e a beira da estrada real.
Os núcleos habitacionais iam crescendo de modo precário com anexos dedicados por exemplo à criação de animais (coelhos, pintos e galinhas) ou para recolha de animais (cabras e ovelhas).
2. No início do séc. XIX, verifica-se uma inovação sobretudo na beira da Estrada nacional, onde surgem habitações com as paredes exteriores rebocadas e com janelas de vidros; algumas de primeiro andar.
Nestas casas, a cobertura já tem duas águas e forro em madeira, apresentando os sobrados de madeira e as janelas com adornadas com cantarias.
Numa primeira fase as coberturas apresentam beirados simples, mais tarde surgem os beirados com cornijas, e também as platibandas decoradas a esconder a cobertura.
No seu interior as casas apresentam já espaços específicos divididos por tabiques em madeira, com quartos no piso superior, e, no piso térreo, espaços dedicados para a cozinha, loja para guardar cereais, estábulos, lojas de vendas, etc.
Conforme os casos, aparecem também os característicos páteos com anexos, para o estábulo do cavalo ou do macho, para o forno de cozer o pão, para a criação de animais, etc.
Esta fase coincide com o crescimento na aldeia dos agricultores, e da atividade comercial dos almocreves em feiras da região oeste (Bucelas, Malveira, Sintra, Vila Franca, Sobral, etc.), e com os negócios na zona da capital, e, também, com o crescimento dos artífices sapateiros.
3. Na primeira metade do séc. XX surgiu uma tendência específica na arquitetura local, em que o patriarca duma família, porque entretanto tinha conseguido poupar para esse fim, e também dispunha de terreno para o efeito, construía à volta da sua casa, habitações para virem a ser usadas pelos seus filhos após estes constituírem novas famílias. E assim se desenvolveram vários núcleos de villas que fortaleciam as interações familiares. É uma fase onde os patriarcas e a família são muito valorizados e a vida social gira à volta daqueles.
A eletricidade só chegou a Arranhó no final dos anos 60, e o saneamento básico só no final do anos 70. Assim as casas modernas não dispunham nem de água canalizada, nem de esgotos. A água era abastecida em fontes, e as águas sujas e dejetos eram depositadas em estrumeiras. Houve uma fase onde se começaram a usar fossas sépticas em em algumas novas vivendas.
Nos anos 70 verifica-se uma nova tendência nas casas arranhoenses que se tornou diferenciadora no concelho: aparecem as Vivendas dos Camionistas.
Eram muito características estas vivendas altas de dois pisos, com coberturas de quatro águas, grandes escadarias, com grandes janelas e varandas à volta da casa. A grande altura era devida às amplas garagens no piso térreo.
O empreendedorismo arranhoense desenvolveu na época os negócios por conta própria, o que propiciou a passagem do uso das carroças para as camionetas. E este progresso levou a um ajuste funcional nas suas casas.
A habitação no primeiro piso era bastante elevada, porque o piso térreo era construído para poder guardar não só o camião como armazenar mercadorias em trânsito.
A zona de habitação tinha todas as comodidades da época nas cidades, embora na verdade a atividade quotidiana se centrasse na garagem, que tinha normalmente zona de cozinha e, mais tarde, casa de banho.
Nos anos 80, quando já se acentuavam os serviços e o trabalho por conta de outrem na vila, e, persistem algumas indústrias de reciclagem, ocorrem duas tendências em Arranhó: a construção de vivendas unifamiliares de proporções generosas, e, a construção de prédios de apartamentos.
A vida social conhece mudanças acentuadas, designadamente com a desvalorização dos laços de parentalidade, a vida deixa de girar à volta dos patriarcas e as relações comunitárias arrefeceram e alteraram-se.
Esta tendência de crescimento da construção só abrandou com as dificuldades económicas do País, e, de modo brusco, com a dinâmica de falências e insolvências que afetaram a vila no final dos anos 90. Nesta fase, a opção das jovens famílias deslocalizou-se para a compra ou aluguer de habitação fora de Arranhó, na sede do concelho ou mesmo fora do concelho.
4. No início do séc. XXI, quando prepondera na vila o trabalho por conta doutrem no sector terciário (função pública, comércio e serviços, logística), começa a verificar-se uma lenta opção de retorno a viver na terra de família, e apesar das limitações colocadas por um PDM desatualizado, começou a verificar-se uma retoma da construção de novas moradias unifamiliares na vila.
Também se verificou nesta fase uma nova opção urbanística, com o desenvolvimento do primeiro empreendimento estruturado de vivendas. A nova urbanização, com ruas, passeios, parque infantil, zonas ajardinadas, veio suscitar um conceito diferente de organizar a vida social das famílias, mais ajustada ao atual modo de vida mais individualista.
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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz