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Postal de Arranhó N° 056: “Os bois fugidos”

Por meados dos anos trinta, este assunto veio a ter uma solução aplicada de forma drástica mas eficaz. A vaca ou o boi fugido acabava normalmente por ser abatido. O problema levantou-se quando certa vez o dono de um desses animais que foi morto à pedrada, exigiu o seu pagamento. A partir de então o administrador do concelho, capitão Bastos dos Reis, lançou a multa de cem escudos 100$00, naquele tempo bastante pesada, a quem estivesse a ver ou andasse atrás dos bois. Todos quantos os seus nomes fossem nomeados mesmo que por acaso e por azar fossem a passar, a pagavam. Pois o que se pode dizer remédio santo para o que constituiu, durante muitos anos, um autêntico massacre pelo receio que a todo o momento provocava a ideia de uma criança ou de um familiar, ser amachucado ou furado pelos cornos de um animal.

Foi sem dúvida um dos maiores flagelos que a sua população sofreu. Os presentes que o digam.» [1]

Curiosamente, quando publicamos pela primeira vez esta memória, [2] várias pessoas nos fizeram chegar as suas recordações sobre este mesmo tema, e, dado o seu interesse aqui também incluímos.

A Beatriz dos Prazeres Russo entura Ferreira Enes partilhou connosco: «tenho recordação de que andava com a minha avó Quitéria Germano nas Fontaínhas, que fica na estrada que vai para Adoseiros. A minha Avó colocou-me em cima duma oliveira porque estavam gritando: cuidado que vem aí o touro! Passou lá próximo. Eu tinha os meus cinco, seis anos.» [2]

O José Jorge Munhoz Frade partilhou connosco: «Minha mãe contava esta história: “Passou-se lá um caso que à primeira ninguém acredita: foi que um touro bravo tenha subido num telhado de uma azenha e caído lá dentro! Mas eu explico como aconteceu.

Primeiro, tenho de explicar como era a casa da azenha. Foi construída numa inclinação do terreno. Na frente tinha um pátio onde os burros se prendiam com uns talegos.

Naquele tempo os touros que vinham do Ribatejo para o matadouro da Malveira não vinham de camião, mas a pé com umas guias e dois campinos à frente e outros atrás.

Ao passar pelo cimo da ribeira, onde havia uma estrada que passava pela Tesoureira, um dos touros tresmalhou-se e meteu pelo vale abaixo, passando por trás da casa de habitação e depois a azenha, que era um pouco mais abaixo, visto que o caminho era de burros, era estreito, e quando passou pela azenha, como o telhado da parte de trás era quase rente ao chão (como já disse que estava feita na inclinação do terreno), não é mais nada: o touro subiu ao telhado, caindo numa armadilha sem o ser, ficando por cima da mó, visto que era uma divisão muito pequena. Tão pequena que o touro quase não cabia lá dentro.

E depois, o problema para tirar de lá o touro! A aflição dos meus tios que eram jovens – o mais novo tinha aí uns dezanove anos, o outro teria aí uns vinte e dois ou vinte e três (eu tinha sete anos quando isso se passou). Naquela aflição, dois jovens sem experiência alguma, qual foi a ideia de um: “- Vou ao lagar buscar uma corda, atamo-la nos cornos do touro e puxamos por ele!”. Como se isso fosse possível, nunca o conseguiriam e se o fizessem o touro matava-os! Eles chegavam ao touro por cima da terra, visto que ele estava por cima da mó, mas tudo se resolveu num instante.

O touro deu uma cabeçada na porta da azenha e partiu tudo e se escapou pelo vale do rio abaixo, com a corda e tudo, nunca mais ninguém o viu, foi uma sorte!» [2]

A Maria José Lopes Rodrigues também partilhou: «A minha Avó materna também contava frequentemente a estória de um touro que se tresmalhou enquanto ela e o meu Avô andavam na Fazenda, e do qual se salvaram colocando-se debaixo de um pontão (lousa grande de pedra sobre um ribeiro, que unia as duas margens).

Este facto marcou-me de tal modo que sempre que cá estava de férias e os acompanhava ás terras estava sempre receosa de que pudesse surgir um touro, mas felizmente tal não voltou a acontecer.» [2]
Estes factos dão-nos conta dum tempo e duma vivência que para os mais novos estes só podem aceder através destas memórias escritas.
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[1] Retirado de: Lourenço, Carlos Alberto Alves | manuscrito dactilografado, Monografia da Freguesia de Arranhó, 1976.
[2] depoimentos compilados em Postal 355, da página do Facebook: Arranhó Memória e Gratidão, em 24 de Setembro de 2019.

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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz