Uma das imagens que guardo de infância é o cheiro e o paladar do pão caseiro.
Quando vinha com os meus pais a Arranhó, na cozinha dos meus avós maternos impunham a sua presença uns enormes alguidares de barro de cor verde escuro vidrado, sobre a bancada do “pial” ou poial. Nesses alguidares era amassada a farinha e neles repousava a massa a levedar, antes de ser levada para o forno.
Como é sabido, usavam-se aqui na zona o centeio, o milho, e, o trigo. Para fazer o pão misturava-se a farinha com água e sal para formar uma massa consistente. Depois de bem sovada e adicionado o fermento, a massa era deixada a descansar, para depois ser cortada e ser levada ao forno que entretanto era preparado e aquecido para o efeito.
Não devemos esquecer que até aos anos 50 o pão tinha um peso muito significativo na dieta das nossas famílias, e estas eram numerosas, pelo que fazer pão era uma tarefa doméstica essencial, apesar de árdua, para saciar as famílias.
É muito interessante a descrição que a Adelaide Assis nos enviou sobre a “arte” de fazer pão da sua avó, a partir da uma memória da sua tia Hermínia: «Usando a massa do pão de trigo, tendia pães que “recheava” com sardinhas e cozia no seu forno de lenha, juntamente com a fornada do pão. O equivalente às atuais bolas.
Quando cozia, a minha avó Arlete (ti Arlete), fazia também pão de farinha de milho. Depois de amassar, cortava toucinho em tirinhas e levava-o ao lume até derreter.
Sobre a pá do pão, colocava uma folha de couve e sobre esta, uma porção de massa de pão de milho sem ter levedado, que achatava dando-lhe uma forma arredondada. Por cima da massa, deitava o toucinho derretido e o respetivo molho e levava ao forno, a cozer, sobre a folha de couve. Chamava-lhes merendeiras de massa asma. Segundo a minha tia, eram deliciosas. Parece, que hoje, em termos culinários, apenas se “reinventam” algumas das técnicas do antigamente.»
Cada casa arranhoense, sobretudo nas mais remediadas, fazia o seu próprio pão, e esse era um tempo de ritual e de empenho muito próprios. A importância deste ritual doméstico era confirmada através de bonitas orações e bênçãos próprias, que passavam de geração em geração entre as mulheres, e das quais vos apresentamos aqui duas:
Oração ao Amassar do Pão
«Nossa senhora da Conceição
Te faça bom pão
São Mamede te levede
São Vicente te acrescente,
Para mim e para toda a gente.
Em louvor da Virgem Maria
Um Padre-Nosso e uma Avé- Maria»
Oração de Enfornar o Pão
«Maria padeira
Filha de Jesus cristo
Pelos caminhos que andaste
Com Jesus Cristo te encontraste
Tal como cresceu a graça de Deus
Pelo mundo todo,
Cresça esta massa
Até ao cimo do forno.»
Lembro-me de ouvir descrever as refeições frugais dos homens quando estavam a trabalhar no campo, que passavam muitas vezes por uma fatia deste pão caseiro onde se punha um fio de azeite e se acompanhava com azeitonas, ou então, uma fatia de pão caseiro acompanhada duma sardinha ou duns nacos de chouriço cortados com a inevitável navalha.
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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz