Vamos neste postal recordar como era vista no início dos anos 30 a freguesia de Arranhó através de um artigo escrito numa revista da capital. [1] Um número da revista foi dedicado ao concelho de Arruda dos Vinhos, e, ao apresentar as suas freguesias, também dedicou um espaço a Arranhó. A descrição da freguesia é feita numa linguagem muito sugestiva e por isso transcrevemos na íntegra o citado artigo.
«A segunda freguesia do concelho em população, área e riqueza própria, sendo a sua sede o lugar de Arranhó qualquer coisa de muito pitoresco casas branquinhas alcandoradas em trono pela encosta de penhascoso outeiro, coroado pela igreja matriz, templo despretencioso e pela escola oficial, ultimamente restaurada ou melhor construída de novo a espensas do Estado.
Serve o lugar a linda estrada que vai para Bucelas e de lá para Lisboa por Loures e Campo Grande, cheia de arvoredo e pitoresco, ladeada de hortas que pelo talweg [2] por onde um murmurante arroio[3] cascalha, os habitantes do lugar cultivam para concorrer à manutenção do insaciável ventre de Lisboa.
Grande maioria dos habitantes locais entregam-se ao comércio de regatões, percorrendo o concelho à procura de ovos galináceos e cabritos, que Lisboa absorve.
Nas épocas próprias grandes ranchos de gente moça emigram para as mondas de trigais e apanha da azeitona.
No lugar de Alcobela, escondido do resto do mundo por um círculo de outeiros, o Estado adaptou uma antiga capela profanada e abandonada a escola oficial que resultou ampla e cheia de luz, podendo assim os pequenos alunos receber o benefício da instrução, sem ter de percorrer dois quilómetros de caminho de serra agreste e áspero tressuando no verão e calcurriando torrentes nas invernias.
Produz esta freguesia principalmente cereais, legumes, azeite e vinho em pequena quantidade.
É curioso ver como em terrenos fraco pedroso o solo se desentranha em ervilhas que todos os dias enchem farta sacaria, que marcha a caminho da cidade; os ervilhais rasteirinhos, dois palmos do chão são uma série de montículos de vagens de ervilha.
Em um lugar da freguesia, Camondes, predomina a indústria do calçado, que largamente abastece os mercados e feiras próximos.»
Notas:
[1] Bandeira de Tóro, in jornal ilustrado A Hora, ano 1, Nº9, Março de 1934, Lisboa.
[2] Talweg ou talvegue, é o nome dado à linha mais ou menos sinuosa, ao fundo dum vale, por onde correm as águas.
[3] Arroio, pequena corrente de água, permanente ou não; regato.
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© DIREITOS RESERVADOS, Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz