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Postal de Arranhó N° 290: Mala de Cartão*

Ester da Silva Fabião (1932 -2016) e Felipe Dias dos Santos (1930 – 2018)

Vamos recordar mais um casal arranhoense com uma bonita história de emigração.

A Ester, era filha do Artur Fabião e da Lucinda da Gaia, e tinha três irmãos: a Judite, a Lucinda, e o Batista. Os seus pais ganhavam a vida como vendedores ambulantes, com uma volta que alcançava o concelho de Alenquer.
O Felipe era natural de Olhalvo, e foi ao acompanhar os pais na sua volta que a Ester o veio a conhecer. Os dois jovens, depois de namorarem e casarem, foram morar para Alhandra, onde vieram a ter os seus dois filhos, o José e o Virgílio.
A vida na época era difícil, o Felipe trabalhava como chofer [1] na empresa Bucelense, e a Ester como dona de casa.
É oportuno registar que o jovem casal se veio a converter ao luteranismo através de pastores missionários vindos da Suécia, e que começaram a evangelizar em cidades como Vila Franca de Xira, onde a Ester e o Felipe tinham familiares.
Como muitos outros portugueses [2], incluindo arranhoenses, o Felipe Santos aspirava a uma vida melhor, e por isso partiu junto com Manuel Sousa em 1965 para França, com destino à vila de Saint Marcellin.

Um ano depois, a família seguiu o mesmo caminho. A integração foi difícil, outros hábitos e cultura, uma língua desconhecida, que foi atenuada pela presença de mais arranhoenses também emigrados em Saint Marcellin: a Noémia e o Manuel Sousa, o Zé Casimiro, o João Batista, o Zé Carlos filho do Zeca e da Matilde, etc.
Depois de começar por trabalhar nas obras, o Felipe arranjou um emprego como soldador, e a Ester também conseguiu emprego como operária numa fábrica de sofás, e os dois começaram a orientar a sua vida, a ganhar e a conseguir poupar, para criar os seus filhos e ter esperança no futuro.

A seguir ao 25 de Abril de 1974, o Felipe e a Ester resolveram regressar ao seu País com os filhos, e investir em Arranhó, aí construindo a sua moradia, procurando orientar o futuro do José e do Virgílio.
Em Portugal, o Felipe empregou-se como soldador na empresa Soda Póvoa [3] em Santa Iria de Azóia, e a Ester ficou por casa.
Ao fim de quatro anos em Arranhó, o casal foi convidado pelo cunhado Batista Guedes (irmão da Ester e casado com a Zulmira Carreira) que estava nos Estados Unidos e lhes fez uma carta de chamada. E assim o Felipe e a Ester decidiram abraçar este novo desafio, e partiram levando o filho Virgílio.

O casal foi instalar-se em Newark NJ, onde já havia uma grande comunidade portuguesa e também família, o que permitiu uma fácil integração na comunidade. Nesta fase da sua vida o foco do Felipe e da Ester era proporcionar uma vida melhor aos seus filhos, o que vieram a concretizar. Na América, o Felipe trabalhou como soldador numa companhia chamada J. Fletcher Creamer & Son Inc, a Ester numa fábrica, e o Virgílio como pintor. A vida correu-lhes bem e o Felipe naturalizou-se americano ao fim de cinco anos, aproveitando para chamar o seu filho José e a esposa Ana Bela.
Na realidade em Newark a família já era numerosa, pois lá residiam também o Batista e a Zulmira Guedes, e, a Judite e o Domingos Sousa.
A vida deles era muito típica e sóbria: trabalhar e ir à igreja luterana. De resto não havia dificuldade com o inglês, porque em Newark, encontramos supermercados, restaurantes, até jornais, em língua portuguesa, pois a comunidade portuguesa é ali muito unida e empreendedora.
Esta primeira geração arranhoense em Newark, tinha como objectivo trabalhar, poupar, e regressar a Portugal, e foi o que eles também fizeram. Mas ao regressarem ao seu País e à sua terra, o Felipe e a Ester vinham realizados e confiantes de que os seus descendentes se integraram bem e souberam beneficiar das oportunidades proporcionadas pela economia e a sociedade americanas.

Queremos deixar um agradecimento especial à Ana Bela Santos e à Joana Narciso Pombo, pela sua preciosa colaboração para nos permitir fazer esta pequena evocação e homenagem a mais uma bonita família arranhoense.

Não seria nada despropositado Arranhó tomar a iniciativa de criar um Memorial aos seus Emigrantes no centro da vila, reconhecendo a sua valia e agradecendo o seu trabalho.

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Notas:
* Os emigrantes portugueses dos anos 60 ficaram conhecidos como os emigrantes da “mala de cartão”, um modelo característico de mala de viagem da época. Este movimento ficou imortalizado pela famosa cantora emigrante Linda de Suza em vários temas designadamente no sucesso “La Valise En Carton”.

[1] do francês “chauffeur”, isto é, motorista. Na época era ainda muito influente a língua francesa no vocabulário português .
[2] Maria Ioannis Baganha, As correntes migratórias portuguesas no século XX e o seu impacto na política nacional, Análise Social, n°XXIX (128), 1994.
[3] Soda Póvoa SARL, foi uma importante unidade fabril de soda caústica, instalada em Santa Iria de Azoia pertencente à firma belga Solvay.
[4] foto da Ester e do Felipe felizes com os seus filhos, recordação de Agosto de 1972 em Saint Marcellin, França.

#EmigraçãoArranhoense

© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz