Manuel Ferreira de Sousa e Noémia Soares da Encarnação
Apresentamos a segunda história de vida de conterrâneos que arriscaram deixar a sua casa e procurar uma vida melhor no estrangeiro. [1]
Foi o caso do Manuel Sousa (1930-2021) e da Noémia (1931-2018).
Depois de casados, fizeram sua morada em Arranhó, onde ele era um exímio sapateiro.
Mas a vida em Arranhó era muito dura, porque Portugal estava muito ruralizado e pouco evoluído. Nos anos 50 muitos arranhoenses tentaram encontrar oportunidades de emprego na capital, mas logo depois se iniciou um êxodo de emigração massiva para o estrangeiro.
Assim aconteceu com o Manuel Sousa e a Noémia, em 1965, partiu ele de comboio para Saint Marcellin, na prefeitura de Grenoble, no sudeste de França, e, depois de instalado, juntou-se-lhe a Noémia. Recordamos que nesse ano saíram de Portugal 91’488 emigrantes, dos quais 60’627 para a França. [2]
Com 35 anos, muito resiliente e polivalente, o Manuel procurou trabalho onde havia mais oportunidades para um recém chegado: nas obras.
Com grande humildade, o casal procurou fazer pela vida, integrar-se na comunidade local, aprender a língua, conhecer os hábitos e sociabilizar-se com os locais e com outros emigrantes.
O Manuel, muito proactivo, revelou rápidamente as suas competências como sapateiro, e arranjou um segundo emprego na reparação de calçado, numa Sapataria de Saint Marcellin. Entretanto, conseguiu emprego numa importante leitaria (fromagerie) local e aí viria a consolidar uma carreira profissional até à posição de encarregado.
A Noémia, começou como operária numa fábrica de mobiliário, de cadeiras, tendo mais tarde passado a trabalhar numa fábrica de queijos (fromagerie) onde já frabalhava o esposo. A fábrica produzia o famoso e apreciado queijo francês Saint Marcellin da região do Isére.
O Manuel e a Noémia foram um dos casos de sucesso na sua integração. Criaram laços fortes com a comunidade local. Procuraram aprender e adoptar os hábitos e o modo de vida franceses, que eram muito mais evoluídos do que a realidade portuguesa de então.
Tiveram um suporte muito relevante da comunidade eclesial da Reforma de Saint Marcellin, onde de resto foram muito bem acolhidos e eram muito prestigiados.
Tentaram a sua sorte em Saint Marcellin muitos outros conhecidos arranhoenses: o Domingos Burra e a Judite Guedes, o Filipe Santos e a Ester Guedes, o Felipe e a Ester, o José Casimiro, o Virgílio Santos, o Luciano da Gaia, o Francisco Rodrigues, o José da Cruz Além, o Vicente Lourenço e a Maria, o Zecas e a Matilde dos Santos, etc. Alguns não se adaptaram a França e por isso regressaram mais cedo.
O Manuel Sousa e a Noémia eram meus padrinhos, e quando os fomos visitar em 1981, eles fizeram questão que o pastor local nos conhecesse, e pudemos confirmar a sua boa reputação e a excelente integração na sociedade local.
Este casal de emigrantes, como muitos outros, ajudaram imenso a economia de Portugal através do envio das suas poupanças, as chamadas “Remessas da Emigração”.
O Manuel Sousa e a Noémia regressaram a Portugal em 1985, ao fim de vinte anos de emigração, já com as suas reformas francesas (assurance retraite), e estabeleceram-se na sua terra e aqui investiram. O Manuel Sousa, que não sabia estar parado, continuou a reparar calçado com a sua imensa habilidade e experiência tornando-se o último sapateiro de Arranhó.
Não seria nada despropositado Arranhó tomar a iniciativa de criar um memorial aos seus Emigrantes no centro da vila, reconhecendo a sua valia e agradecendo o seu trabalho.
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Notas:
* Os emigrantes portugueses dos anos 60 ficaram conhecidos como os emigrantes da mala de cartão, um modelo de mala de viagem característico da época. Este movimento ficou imortalizado pela famosa cantora emigrante Linda de Suza em vários temas designadamente no sucesso “La Valise En Carton”.
[1] Maria Ioannis Baganha, As correntes migratórias portuguesas no século XX e o seu impacto na política naconal, Análise Social, n°XXIX (128), 1994.
[2] idem anterior
[3] foto do Manuel e da Noémia, na companhia do Felipe e da Judite e seus filhos José e Virgílio, tirada na época.
#EmigraçãoArranhoense
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