Uma das memórias inspiradoras das minhas visitas a Arranhó foi sem dúvida conhecer percursos de vida notáveis de arranhoenses que, embora tendo acedido apenas à educação elementar da época, a antiga 4ª classe, e sendo oriundos de famílias pobres e modestas, lutaram, e conseguiram, atingir um padrão de vida social superior.
Foram vários os rapazes arranhoenses que não se conformaram com as poucas perspectivas que uma aldeia rústica e com muito analfabetismo lhes oferecia, e ousaram sonhar mais alto.
Para isso procuravam ler jornais e ouvir rádio, procuravam com empenho o saber, alargar os seus conhecimentos, superando a pouca escolaridade recebida com a aquisição pessoal de ampla cultura geral, quer pela leitura, quer ouvindo e convivendo com quem percebiam saber mais e ter mais educação e cultura.
Enquanto procuravam conhecer mais do mundo e da vida, estes jovens arranhoenses ao crescer também se faziam à vida, começavam a trabalhar cedo aproveitando todas as oportunidades que se lhes apresentavam, e iam sempre com dedicação e sacrifício procurando aprender sempre mais e conseguir melhor salário e melhores perspectivas no emprego. Como se dizia então: «Ninguém assenta praça em general»… mas eles também não se contentavam a ficar a vida toda como soldado.
Eram tempos muito duros e difíceis no tempo do Estado Novo, um pouco atenuados com a chamada ‘Primavera Marcelista’, [2] mas mesmo assim alguns rapazes arranhoenses não desanimaram, e com muita humildade e tenacidade, foram agarrando todas as oportunidades que a vida lhes proporcionava, para subirem a pulso, e assim, passo a passo, conseguirem progredir na vida, constituir família, alcançar maior estabilidade.
Estes percursos de vida eram inspiradores e causavam respeito entre os seus conterrâneos e vizinhos, tanto mais que estes ‘self-made man’, embora fazendo as suas vidas fora de Arranhó, nunca esqueciam as suas origens e sempre procuravam ajudar e contribuir para a elevação e o progresso da vida social e associativa arranhoense.
Guardamos gratas memórias dalguns desses ‘self-made man’ arranhoenses com quem convivemos e que julgamos justo e merecido evocar, pois as suas vidas continuam nos dias de hoje a ser vidas inspiradoras e credoras do reconhecimento público.
Recordamos pois, a título de exemplo, dois daqueles ‘self-made man’ arranhoenses: António Carvalho Rodrigues, e, António Raimundo dos Reis.
O António Carvalho Rodrigues [1935 – 1994] destacou-se cedo na sua juventude pela sede de cultura geral, empático e comunicativo, entre os seus conterrâneos era mesmo conhecido como o ‘dr. Carvalho’. Muito activo na vida social e associativa arranhoense, foi trabalhar jovem para Torres Vedras em empresa familiar, cidade onde se estabeleceu com um negócio de salvados e venda de peças. Aí constituiu família, tendo desempenhado relevantes papéis como dirigente desportivo e na vida social e empresarial torreense.
O António Raimundo dos Reis [1940 – 1999] também se destacou bem cedo no movimento associativo arranhoense como praticante e dirigente, pois mostrava grande desenvoltura oratória e cultura para falar em palco ou em qualquer lugar público. Foi também músico da Orquestra Os Bem Entendidos de Arranhó. Encetou a trabalhar muito jovem em Lisboa, e foi progredindo a pulso na vida profissional até atingir a posição de gerente comercial da delegação de Évora duma importante firma internacional de artes gráficas chamada Gestetner. O António Raimundo dos Reis tem mesmo o seu nome numa das ruas da vila de Arranhó.
São dois exemplos de vidas bem sucedidas, assentes em muito esforço e trabalho, numa vontade indomável de saber sempre mais, de aperfeiçoar permanentemente as suas competências pessoais, superando os limites da sua escolaridade elementar.
São dois exemplos da alma arranhoense que os mais novos precisam conhecer.
Notas:
[1] Chama-se ‘self-made man’ a um homem que se fez sozinho, que alcançou sucesso, riqueza ou prestígio através do próprio esforço e talento, sem depender de uma herança ou de ajuda significativa externa.
[2] Primavera Marcelista designa o período inicial do governo de Marcelo Caetano, entre 1968 e 1970, no qual se operou uma certa modernização social e uma liberalização política, a “Primavera Marcelista”, criando a expectativa de uma verdadeira reforma do regime em Portugal, o que não chegou a acontecer.
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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz
