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Postal de Arranhó N° 208: “Sôbenço”

Gostaria de evocar aqui um costume muito interessante que existiu até meados dos anos 60 em Arranhó, e que era os jovens pedirem aos homens mais velhos a sua bênção e beijarem as costas da mão de seus pais, padrinhos, tios ou avôs.

Lembro-me de quando era criança e vinha de férias para casa do meu avô Manuel, ouvir o pedido num linguarejar saloio: «Sôbenço» (A sua bênção!), e de ver o adulto colocar a sua mão na testa ou na cabeça do jovem e proferir a bênção: «Deus tábençô» (Deus te abençoe!).

É muito curiosa esta tradição que remonta à fórmula bíblica: «O Senhor te abençoe e te guarde, te faça resplandecer o Seu rosto, que o Senhor Deus te mostre a Sua Face, te dê a Sua graça e a Sua paz.»

De facto, este costume de pedir a bênção tinha uma raiz cultural judaico-cristã, que atravessou a Europa até chegar até nós.
Podemos encontrar em toda a Bíblia inúmeras passagens a sublinhar a importância da bênção dos pais sobre os filhos. A sabedoria bíblica, através do livro de Ben Sirá, por exemplo, recomenda-nos: «Honra teu pai com palavras e ações, para que desça sobre ti a sua bênção.» porque «a bênção do pai fortalece a casa dos filhos».

Nos anos 60, a relação entre os mais novos e os mais velhos em Portugal era diferente do que é hoje. Os mais jovens tinham respeito e apreço pela sabedoria de vida dos mais velhos, e estes, tinham orgulho e carinho em passar a sabedoria de vida aos mais novos, seus descendentes.

O gesto da bênção estava associado a um costume que trazia felicidade, proteção, e união, para as famílias que o praticavam. Era uma prática simples sempre que os jovens saíam ou chegavam de algum lugar e encontravam alguém que estimavam. Era corrente pedir a bênção de filhos para pais, de netos para avós, de sobrinhos para tios.

Nessa época o que era importante era que a bênção fosse transmitida e mantida viva na sociedade, uma vez que aquele costume trazia para a comunidade e o seio familiar bons pensamentos e boas práticas.

Também era uma tradição cultural que estava imbuída da ideia de que os pais eram colaboradores de Deus na criação dos filhos, e, através deles os filhos podiam receber a bênção que vem do Criador. Mesmo sem serem muito praticantes, culturalmente as pessoas tinham interiorizado o mandamento que dizia: «Honra o teu pai e a tua mãe, como te ordenou o Senhor, teu Deus, a fim de prolongares os teus dias e viveres feliz na terra que o Senhor, teu Deus, te há-de dar.»

Infelizmente este costume perdeu-se, e com ele a noção da importância duma bênção a nós concedida através dos nossos pais.

A perspetiva cristã vê a bênção como uma graça concedida por Deus, ou seja, como um presente, um favor ou benefício concedido por Deus. E vê no gesto de abençoar uma ação divina que dá a vida e da qual Deus é a fonte.

É fácil perceber que, também numa perspetiva crente, este gesto tem imenso significado e importância, e, faria todo o sentido resgatá-lo de forma simples e genuína, uma vez que é um costume tão enriquecedor das ligações familiares e intergeracionais. Mas isso já são outras contas…

#Personalidades

© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz