A época da implantação da República, com o 5 de Outubro de 1910, fez-se sentir e bem na pacata freguesia de Arranhó.
Vários episódios, levados a cabo por exaltados anticlericais extremistas, ficaram na memória popular, desde a perseguição ao padre, a divisão do cemitério, o derrube das cruzes, etc.
Recordemos a propósito as memórias que Carlos Lourenço [1] conseguiu recolher e preservar do esquecimento sobre aqueles tempos:
«Nas Camondos colocaram santos à manjedoira, e em Alcobela esfrangalharam a igreja e queimaram os santos na enconsta sul do Monte Grande. [2]
O Zé do lagar, de Alcobela, ainda a República não estava decididamente implantada, ele e outros levaram o padre Zé, de Alcobela a Arranhó e aqui obrigaram-no a dar vivas à República.
Conjuntamente com o Padre, também o Pilão velho de seu nome António, esteve para ser preso, por ser monárquico activista.
O Zé e o Tonho Loura, embora bons aderentes à República, nunca gostaram de chincalhar com os outros. Quando um dia de Arruda vieram três indivíduos com instrumentos musicais para fazerem uma paródia, logo o Domingos Burra perguntou:
– O quê? Vocês vêm para prender o padre?
O padre estava lá em cima, à janela. Os outros disseram:
– Não, não vimos.
Ao que se juntou o conselho do Tonho Loura para que desistissem da ideia.
A festa de Ajuda, ao contrário de São Lourenço, fez-se sempre, embora no ano de 1911 e possivelmente 1912, a procissão não tenha vindo a Arranhó.
Um dia, prenderam o padre Zé e levaram-no para Arruda. Ali perguntaram que mal tinha ele feito. Acabaram por vir todos em liberdade.
Os mais activistas na perseguição ao padre, ou antes, aos padres, no lugar de Arranhó, eram o Domingos Burra e o Joaquim Munhoz.»
Estas memórias são muito interessantes porque também nos revelam como, mesmo numa pequena comunidade, ideologias extremistas podem dividir e criar situações conflituosas entre vizinhos.
Entretanto, sabemos que o tempo curou muitas feridas, a mudança de regime para o Estado Novo em 1926 também terá ajudado, e apenas perdurou um longo deserto espiritual devido à fraca prática religiosa que aqueles acontecimentos acabaram por provocar nos arranhoenses.
Notas:
[1] LOURENÇO, Carlos Alberto Alves | Monografia da Freguesia de Arranhó | manuscrito dactilografado | 1976.
[2] Monte Grande era o nome porque era designado o outeiro onde está localizado o Moinho do Custódio.
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© Direitos Reservados, Reprodução Proibida | Arranhó Memória e Gratidão, compilação e foto de José M. Ferreira Luiz